segunda-feira, 16 de abril de 2018



Transgénero

Os Super-Homens legisladores

  • Pedro Afonso
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Não existe qualquer base científica ou justificação médica que autorize um adolescente de 16 anos, cujo córtex pré-frontal ainda não está completamente desenvolvido, decidir livremente mudar de género
O parlamento aprovou, com o júbilo próprio dos incautos, uma lei que permite mudar de género aos 16 anos, sem necessidade de relatório médico. Mas, não existe qualquer base científica ou justificação médica que autorize um adolescente de 16 anos, cujo córtex pré-frontal ainda não está completamente desenvolvido, decidir de uma forma livre, madura e responsável mudar de género. Além disso, está em causa um verdadeiro problema de saúde pública que esta lei não protege.
A disforia de género é uma condição clínica em que existe um conflito entre a perceção do indivíduo sobre as suas características sexuais primárias (dimensão biológica) e o género experienciado (dimensão psicológica). Convém deixar claro alguns pontos para se compreender o que está em causa com a aprovação desta lei:
  1. O mal-estar e o sofrimento psíquico associado a este conflito não se resolvem com uma simples ida ao registo civil para mudar de género. É absolutamente falso que se solucione um problema complexo como este, desta forma tão simples.
  2. Na maioria destes casos existe psicopatologia prévia que tem de ser tratada e acompanhada pelos médicos psiquiatras e outros profissionais de saúde. Por exemplo, comparativamente à população geral há uma maior prevalência de depressão, suicídio, observando-se ainda um número elevado de casos de experiências traumáticas prévias e disfuncionamento familiar. A lei não substituiu a terapia para estes casos, mas dá uma indicação de que a mesma não é necessária.
  3. Existem doenças psiquiátricas (por exemplo, a esquizofrenia ou a perturbação dismórfica corporal) que não são verdadeiros casos de disforia do género, mas que se confundem com estes, obrigando a um diagnóstico diferencial. Ora, no registo civil não há psiquiatras de serviço.
  4. Importa sublinhar, sem receios de ser politicamente incorreto, que embora ocorram raras situações em que “os rapazes se sentem raparigas e as raparigas se sentem rapazes”, o ideal e desejável é que haja uma coincidência entre identidade biológica e identidade psicológica/sociocultural da sexualidade. O Estado não deve promover, de forma irresponsável e através de uma lei, essa dessincronia.
Esta lei que foi aprovada é essencialmente ideológica.  Baseia-se na ideologia de género que, pelo seu radicalismo, se opõe à ciência e à boa prática médica. Esta ideologia teve início nos anos 60, na sequência do movimento de contracultura. Nessa altura, a psiquiatria também foi atacada e procuraram destruí-la, negando, por exemplo, a existência de doenças psiquiátricas como a esquizofrenia. Os resultados foram desastrosos, principalmente em Itália, sob a influência de Franco Basaglia, com milhares de doentes a serem privados de cuidados psiquiátricos adequados.  A história repete-se.
A aprovação desta lei, juntamente com a discussão prevista para breve sobre a legalização da eutanásia, revela que existe um ambiente político de hostilidade face à medicina. Senão, vejamos: no caso da mudança de género, não se compreende por que razão os médicos são expulsos deste processo; não se compreende os motivos pelos quais se menosprezam a prática clínica e o conhecimento científico acumulado durante anos de estudo sobre este tema clínico. Por outro lado, também não se compreende a necessidade de se aprovar uma lei que legaliza a eutanásia, que não foi pedida pela maioria dos médicos, e que vai contra a tradição hipocrática da medicina.
A ambição obsessiva de alguns deputados controlarem, pela via legislativa, a natureza e o momento da morte, faz-nos supor que estamos perante “Super-Homens legisladores”; uma espécie de semideuses dotados de poderes especiais sobre a humanidade.  É verdadeiramente assustador a forma leviana e imprudente como se legisla a granel sobre estes assuntos, tão delicados, que envolvem a vida de pessoas fragilizadas pelo sofrimento. É preocupante que existam políticos que não tenham dúvidas sobre as consequências que poderão ocorrer no futuro, através da aprovação de leis que interferem com a vida humana, naquilo que ela tem de mais íntimo e profundo.
Resta-nos a esperança de que o Presidente da República não tenha as mesmas certezas destes Super-Homens legisladores e vete esta lei.
Médico Psiquiatra

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