quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

De volta aos professores de Francês

    Já por aqui se falou dos meus professores de Francês; no 1.º ano o P. Lamego, no 2.º ano o Eng. Ressurreição e no 3.º ano a Dr.ª Júlia. 
     No 4.º e no 5.º tive o mesmo professor, de que muitos se recordarão pois tinha, também ele, um carisma muito especial. Refiro-me, como muitos certamente já estarão a pensar, ao Dr. Iésus, Iésus Heráclito Gomes, creio que era este o nome completo. Tinha ascendência indiana, era pequeno e franzino mas muito activo, ágil e enérgico... era de facto único… parece que tínhamos professores que eram escolhidos a dedo! 
     Vivia com o Dr. Mesquita, o professor de Inglês que veio substituir o Dr. José Rafael, (para grande desgosto de muitas das nossas colegas…), ali no Bairro Novo junto ao cruzamento das estradas que vão para Idanha-a-Velha e Proença-a-Velha. 

     Uma das histórias que guardo na memória passou-se no 4.º ano, na sala do rés-do-chão, ali em frente às casas da D. Irene e do Eng. Ressurreição e D. Helena. 

     Era hábito do Dr. Iésus sentar-se, de quando em vez, num dos cantos da secretária, em posição tipo Ioga, coisa que ele fazia com relativa facilidade e rapidez… encostava-se à secretária, apoiava as mãos, dava um pulinho e aí ficava ele sentado, sem qualquer interrupção daquilo que estava a dizer, como se nada fosse com ele. 
     Claro que isto chamava a atenção pois não era normal um professor dar a aula sentado em tal posição, mas com o andar do ano acabamos por nos habituar e a determinada altura já ninguém reparava se estava a dar a aula sentado na cadeira ou no canto da secretária… 

     Ora certo dia, já em plena época de chuvadas, o Dr. Iésus apareceu com um gabardine nova, todo bem aperaltado, levando logo as meninas a meterem-se com ele, elogiando a qualidade e a beleza da nova indumentária. Ele a princípio fez que não ligava aos piropos, mas lá acabou por dar conversa, dizendo que tinha comprado a gabardine não por ser bonita e lhe assentar muito bem mas, fundamentalmente, porque era muito boa para esta época, pois tinha um tratamento especial que não deixava entrar gota de água; a chuva caía e deslizava pelo tecido que permanecia sequinho. 

     Passado este pequeno momento de conversa lá se passou à matéria e a aula lá foi avançando até que, a dada altura, o Dr. Iésus se sentou na sua posição predilecta no canto da secretária, coisa a que já ninguém ligava… 
     Aliás saía desta posição com a mesma rapidez e facilidade com que se sentava; as mãos apoiadas na secretária, um pequeno impulso, um pulinho, e aí estava ele de pé no estrado, sem ter interrompido o que estava a dizer… 

     Não foi assim nesse dia… ao pular da secretário calou-se de imediato, e como que paralisou, ao ouvir-se o som de algo a rasgar… pois foi, a gabardine havia ficado presa num prego do tampo da secretária e quando o Dr. Iésus se virou e levantou a parte de trás lá estava, bem visível, um pequeno rasgão em forma de L. 
    Toda a turma olhou de repente, dois ou três não conseguiram suster uma pequena risada, logo abafada perante a cara de desolação do professor… 

     Perante esta situação algumas das meninas começaram de imediato a tentar confortar o professor dizendo-lhe para não se importar porque o rasgão era muito pequeno e que, depois de bem cosido, nem se dava por ele… 
     Contrariamente ao que lhe era habitual demorou um pouco a reagir, mas lá recuperou e ao fim de algum tempo acabou por retorquir: 

     - O que me preocupa não é o notar-se, ou o deixar de se notar, o problema é que agora a gabardine já nunca mais vai ser a mesma, perdeu as suas propriedades de impermeabilidade, ficou com um ponto fraco pelo qual a água poderá a partir de hoje entrar!... 

     Com o tempo é evidente que o Dr. Iésus se esqueceu do problema de impermeabilidade da gabardine, mas nunca mais esqueceu o ocorrido e, a partir desse dia, sempre que queria sentar-se na sua posição favorita demorava uns segundos, primeiro a olhar com atenção, e depois a passar a mão ao de leve pelo tampo da secretária, a certificar-se, não se desse o caso de haver algum prego fora do sítio que pudesse, ao levantar-se, provocar-lhe mais algum dissabor… 

Nada que uma visita a Paris não faça esquecer... e se não puder ser real seja pelo menos em pensamento, através desta canção de Joe Dassin ... e viajemos então até aos campo Elíseos!...
          Aux Champs-Elysées
          Aux Champs-Elysées
          Au soleil, sous la pluie, à midi ou à minuit
          Il y a tout ce que vous voulez
          Aux Champs-Elysées

Joe Dassin - Les Champs-Elysées 1970

9 comentários:

Natália Mosa disse...

Bem, João tu tens mesmo memória de elefante! Agora que falas nisso, de facto havia um professor Iesus, mas curiosamente lembro-me muito menos delo do que do Rafael ou do Mesquita! Este último ainda encontrei uma vez em Lisboa, junto à Escola Marquesa de Alorna,perto do local onde trabalho. Igual à memória que dele guardava, timido e de olhos no chão, muito metido consigo mesmo.
Vidas que ficaram para trás...e que desta forma estamos a fazer regressar à nossa memória!
Uma noite boa, para ti, para todos eles onde quer que estejam.
Ah adorei os "Champs Elysées", onde estava há um ano atrás... beijos

prohensa disse...

Pois foi Natália, o Dr. Iesus e o Dr. Mesquita vieram para Medelim no mesmo ano e viviam na mesma casa, na qual vivia também o Alcides de Alcains, que andava, creio eu, 2 anos atrás de nós.
Vieram substituir a Drª Júlia e o Dr. José Rafael, respectivamente, e eram o oposto um do outro, enquanto o Mesquita tentava passar sem que ninguém desse por ele o Iesus, pelo contrário, andava sempre acelerado e baralhava o sistema nervoso ao Mesquita...

Luísa Antunes disse...

Estou traumatizada! Não me lembro do meu professor de francês dos 4º e 5º anos... Terá sido o Dr. Iésus (só me lembrava do nome todo dele e pensava que era um professor que tinha um spitfire vermelho e acelerava que nem um danado)?... E eu a pensar que a Drª Júlia tinha sido minha professora até ao 5º ano... Nem do manual me lembro! Mas em que raio de gaveta de memória está arrumado este francês?! Oh Natália, não consegues ajudar? O Dr. Iésus foi nosso professor? (como já disse ao João via facebook, o texto está uma delícia...) Bjnhos.

prohensa disse...

As meninas já me estão a deixar baralhado também a mim!...
No 4º ano tive, de certeza, o Dr. Iesus, mas pode acontecer que ele tenha dado aulas apenas em Medelim e em Penamacor tenham tido outro o professor. Agora no 5º ano andamos todos em Penamacor, por isso já me estão a deixar em dúvida quanto ao professor de francês!...Temos que tirar isto a limpo...

Natália Mosa disse...

Agora também estou eu baralhada... andei a vasculhar a minha caderneta... é uma pena que não tenha o nome dos professores...não sei durante quanto tempo o Iésus foi nosso professor mas creio que foi apenas em Medelim. Luisa tu estiveste sempre comigo, vê lá se te lembras e refazes a história!
Beijos

Anónimo disse...

Boa Noite a todos.
O Dr. Iésus foi professor de Françês em Penamacor assim como o Dr. Mesquita de Inglês .
O Alcides (de Alcains) ía juntamente com eles diáriamente no mesmo transporte de Medelim para Penamacor.
Adérito Rebello.

prohensa disse...

Olá Adérito! Obrigado pela ajuda... e por te lembrares do Dr. Iésus, que afinal deu mesmo aulas também em Penamacor. Temos que tirar a limpo é em que anos lectivos...

Anónimo disse...

Boa noite.
Peço desculpa por me intrometer, mas estava exatamente a pesquisar sobre a pessoa do Dr. Iesus Heraclito Gomes, que foi meu colega na Faculdade de Letras do Porto e de quem nunca mais soube nada, desde 1977, em que esteve a dar aulas em Guimarães e estudava na FLP. Era um excelente colega, um homem muito inteligente, um autodidata, um homem de uma simplicidade e humildade exemplares. Aqui vos deixo o meu testemunho. M. Alice Abreu - prof na Escola Secundária de Vizela

prohensa disse...

D. M. Alice Abreu bem-haja pelo seu testemunho.
Ao cabo de todos estes anos voltamos a encontrar o Dr. Iesus, no nosso Encontro de Confraternização, e posso testemunhar que continua em grande forma.
Caso pretenda o contacto do Prof. Iesus, basta contactar-me para prohensa@gmail.com, que terei muito gosto em enviar-lho.
João Adolfo

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