terça-feira, 6 de julho de 2010

"Todos com diferenças, mas todos apóstolos"...


a última ceia 

Como não tenho fotografias desse tempo e, infelizmente, não guardei até hoje "livros de autógrafos", "questionários"(?) e outros documentos dos tempos de  Medelim, decidi colocar uma "Última Ceia" muito original (porque nela o Judas é um "apóstolo" como os outros e sabe-se lá o que é que lhe deu na altura e porquê e não se fala mais no assunto que também tenho 2 gatos, o João ratão e a Carochinha e nem ele espreita panelas, nem ela fica sozinha porque ele não passava de um judas do seu destino)... Posto isto e porque de mais uma "última ceia" parece ter surgido este blogue de amizades e recordações, quero retomar alguns temas de comentários e deixar um texto um pouco mais compostinho. Aqui vão, então, algumas recordações de professores nossos amigos em seus dias sim e nossos Judas de serviço em seus dias não...

O primeiro é o Padre António Ribeiro, que foi meu professor de francês no 1º ano e que, penso, será o mesmo Padre Lamego de que aqui já se falou e que pelos vistos era Director (nunca percebi!): massacrou-nos com a fonética do Francês e mais gramática e muita gramática (e viva a matemática, que sempre era uma ajuda para a dita) e com a malfadada guerra Israelo-Árabe, que me deu muitos pesadelos antes de adormecer, à espera que se acabasse o mundo com uns homens de turbante a rebentar apocalipticamente o universo, levando Israel  na frente e com ela todos os seguidores de Cristo e Deus Nosso Senhor, lá íamos nós todos para a Semana Santa outra vez, onde é que eu me havia de esconder? Na travesseira, claro, com o rosto lá todo encafuado e bem escondido, a custo respirando e... está bem, está bem, Mãe... e lá me levantava e aprontava para apanhar o autocarro do Colégio que vinha da Benquerença, do Vale, da Meimoa, com paragem nas aldeias do Bispo e João Pires, antes de chegar a Medelim... Entretanto, o pesadelo já era, no meio de tanta cantoria e risada e brincadeiras à espera no pátio da D. Mimi, no campo dos rapazes, entre os 2 edifícios do Colégio, no arrabalde para os picnics do almoço, no rés-do-chão do 2º edifício com espectáculos teatrais com direito a bilhete e tudo para ver a Maciel lálálá-lálálá, a Sandie Shaw toda loura e descalça e mais umas quantas travessuras a jeito de improviso dia-a-dia, sempre novo, sempre diferente, todos diferentes, todos iguais... TRRRRRIIIIIMMMMMM e lá ia tudo a correr para as salas do 2º ano...
Acabou-se o Padre António, entra o Engenheiro Ressurreição, do alto do seu metro e noventa ou lá que fosse e era tão alto como a Torre Eiffel e dava Francês viajado e organizado, anedotas nem sempre muito católicas mas que o faziam esboroar-se a rir e nós atrás e uma Matemática a sério, com arrumação discreta e arrumada num sumário geometricamente desenhado e embelezado com letra da escola francesa... Acho que foi dos meus melhores professores e definiu em muito a minha vida (foi com ele que comecei a trabalhar no Colégio e era na casa dele que eu comia, na altura)... Ainda assim  e nos dias de judeu-árabe de Padre António Ribeiro, tive direito a passar uma aula de matemática de joelhos por me ter esquecido de fazer os t. p. c. (a Leontina e a Filomena Canelas lá me iam animando), a ter um zero na caderneta por não saber de cor uma poesia  em Francês, que ele só marcara na 2ª turma e a ficar com as impressões digitais dos seus 10 dedos impressos nas minhas tenras bochechas durante todo o santo dia, por lhe ter "respondido" que não marcara uma certa tradução escrita de um texto e só por isso não a fizera... É verdade, levei 2 lambadas monumentais e à francesa (e em toda a turma safaram-se 3 ou 4) de um professor que eu adorava e numa disciplina em que o adorava... 
A D. Irene, de paciência infinita e a fazer o seu crochet de óculos bem entalados na ponta do nariz, livrou-me 2 ou 3 vezes das garras do Honorato e dum amigo dele de Penha Garcia, quando decidiam roubar-me o garruço e jogar com ele ou, pior ainda, fazer de mim bola de volley ou andebol, o que um dia me fez gritar tanto de horror por me ver já com os ossos fraquitos todos escaqueirados no chão, que a D. Irene saiu de sua casas qual Sandokan de saias e ai meus malandros que eu vou dar queixa ao sr. engenheiro... foi o que eu quis ouvir e fugi muito contente à espera que o Sr. Engenheiro lhes mostrasse o seu metro e noventa e tal de autoridade e justiça... Pois é, mas a mesma D. Irene, em dia de Judas à antiga, espetou comigo da sala de estudo para fora aos gritos de "agora, agora, até a formiga tem catarro!... Rua, rua, rua!... e já!...) e tudo isto porque a Fátima Avelar (que era minha companheira de carteira, quando a Natália falhava) decidiu que eu havia de gritar porque a ela não lhe apetecia estudar mas brincar com um alfinete com que, calma e olimpicamente, me ia picando as bochechitas do rabiosque, até eu ser surpreendida por uma alfinetada  mais profunda e "cobarde" que me obrigou a um grito proibido, grito sério, daqueles que punham uma turma de estudo à gargalhada... Acreditou lá ela que eu recebera a alfinetada, se a Fátima jurava a pés juntos com o seu ar cândido e muito chocado que ela não tinha alfinete nenhum e que... etc... etc... formiga... formiga... formiga com catarro.. e, olha: rua e uma vergonha daquelas e uma humilhação de formiga desfeada em lágrimas, que foi o que eu passei...!

Já comi muitas "cerejas" e a conversa vai longa... só falo de mais um comensal, porque me deu a minha disciplina preferida no Colégio: Canto Coral, com um dia dedicado ao Orfeão. Aí sim, eu era calma e feliz e tinha do "Tenente" Ribeiro uma ideia diferente de professor: mais amigo, brincalhão, mas... anos mais tarde, já em Filosofia, ainda me ameaçou com a rua várias vezes... além de que nos não deu solfejo nas aulas de Iniciação Musical, porque as pessoas não gostavam porque era chato - dizia ele - e eu fiquei para sempre a desenhar claves de sol, colcheias e semi-colcheias, porque são uns caracteres muito bonitos... Fosse ele o Padre Ribeiro e espetáva-nos com a fonética da Música e mais tarde ainda lhe agradecíamos, que é o que eu faço agora e da forma mais sentida e sincera que me conheço...

Peço desculpa por ter sido tão longa, mas acabei por retirar umas cerejas do cesto que vinham acopladas em raminhos de 3 e 4 e demorei mais tempo... Entretanto, recordei alguns dos comensais desta "última ceia" original, já muito filtrada pela patine dos tempos e das aprendizagens... O que é agradável no desnho é que o Judas quer mesmo comer e conviver e por isso tem o sorriso dos outros e não tem armas na manga ou dinheiros nos bolsos... "Todos com diferenças, mas todos apóstolos",  legendou Ana Cardoso na sua Ceia... e eu gostei. Dela e de estar aqui convosco. Beijinhos. Até já.

8 comentários:

prohensa disse...

Qual "última ceia", qual nada! Isto é mas é um aperitivo magnífico!...
Pois a ver pelas cerejas que saltaram do cesto parece-me que vamos ter grandes petiscos...
Obrigado Luísa por partilhares connosco estas recordações.

Honorato disse...

Que delícia este petisco da Luísa. Tive de reler, porque fiquei embasbacado com o colorido, não só da Ana Cardoso que infelizmente não conheço, mas também destas palavras elegantes e expressivas. A mim, cabe-me uma parte de Judas, pelos vistos. Eu não me lembro mesmo nada de te ter feito tal maldade. Mas, se fiz, também acabou por contribuir para este bocadinho de saudade. Agradecido pelo naco de boa disposição. São necessários contributos de quem tem talento como tu tens.
Bjs

Luísa Antunes disse...

... acabei por me recordar do que já nem imaginava, de bem arrumada que estava esta minha gaveta da memória!...Eu é que acabei por me rir a escrever, à medida que revia as cenas... Quanto às judiarias do Honorato, lembro-me que o faziam rir a bandeiras despregadas, mas - e note-se bem - também tenho a memória de ele me defender em brincadeiras e, como já disse num outro comentário, de me deixar ser apanha-bolas dele (com ele à baliza, claro)no campo dos rapazes, em dias em que a minha tenra idade não comovia a Fernanda da Benquerença (líder do recreio das meninas)ao ponto de me integrar nas equipas do "mata" que ela definia... Ainda lhe devo (à Fernanda)o indicador da mão direita mais gorducho e largo, por ter ousado apanhar uma bola dela para me "matar" (já que eu, com sorte de principiante) a "matara" anteriormente!
Eu também era e fui uma bela "Judas", o que nunca me impediu de também ser "apóstola" e até me "portava bem" uns tempos depois... "pedir desculpa" é que tive de aprender com a vida. Por isso, Honorato, ainda bem que também foste um Judas provisório e carinhoso (mesmo que te não lembres)da minha infância no Colégio. Pelos vistos fez-me bem, porque adorei reencontrar o João e agora alguns de vocês daqueles que estavam todos arrumadinhos (que nem soldadinhos de chumbo)no meu sótão interior... Xi-coração sincero.

António Serrano disse...

Que texto magnífico, Luísa! Tanta arte e sentimento fizeram-me voltar a um local onde fui muito feliz.
E não quero "arremedar" o Malato, pois fui-o de verdade.
Bem haja. Volte depressa.

Luis disse...

Puto, muito puto na altura, mas já achava a minha irmã Luisa um talento. Mantém-se, agora ainda mais refinado, aqui comprovado em mais um daqueles momentos de inspiração que só acontecem a quem sabe! Conheço-vos a quase todos, muitos e muitas ainda pelos nomes, repetidamente gravados na memória, em tantas conversas entre irmãos e tantos momentos partilhados no Colégio e fora dele. Guardo muitas saudades desses tempos, também! E acho um espectáculo este vosso “Blog - Baú de recordações” que, sempre que a oportunidade o permite, pois o muito trabalho o não permite sempre, me faz sorrir e viver! Continuem, que eu prometo continuar a passar por aqui. Quanta qualidade humana e profissional aquele Colégio ajudou a criar! Se isto fosse um problema de Matemática do Engenheiro Ressurreição, terminaria em "cqd". Como é apenas um abraço para todos vocês, termina com o meu nome próprio da altura: "Irmão da Luisa".

Luis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luísa Antunes disse...

Pois, pois... Olha lá, Luís, o que é "cqd" em matemática, hein?!...

Luis disse...

cqd = como queríamos demonstrar

Terminavam assim, em beleza, todos os raciocínios matemáticos do Engenheiro, com um final feliz!

Tenho a certeza que ainda te lembras!!

Bjs

Luis

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